sexta-feira, 4 de junho de 2010

Sobre Jornalismo Popular

Ao observar os programas de “jornalismo popular” televisivos, podemos perceber a sobreposição de pautas policiais e Fait Divers, em detrimento de outros temas. Muitas vezes as matérias não tem embasamento nos critérios de noticiabilidade e nem uma contextualização. O sensacionalismo é explorado de forma exagerada beirando o grotesco. Alguns questionamentos surgem sobre esta prática jornalísticas, afinal, para ser jornalismo popular é preciso explorar a violência? Estes programas realmente são jornalísticos?

Na busca para tentar entender este processo produtivo e realizar um exercício de reflexão sobre o que é o “verdadeiro” jornalismo popular, a equipe do BJP entrevistou a professora da Faculdade Social da Bahia (FSBA) e instrutora externa da Ufba, Bárbara Souza, que realiza um trabalho de pesquisa sobre jornalismo popular na Bahia.

Na entrevista Bárbara Souza destaca o papel social que esta vertente do jornalismo desempenha ao colocar em pauta “os interesses e demandas de segmentos sociais tradicionalmente excluídos ou estereotipados pela grande imprensa”. De acordo com a professora outro grande desafio do jornalismo popular é realizar pautas com um enfoque mais próximo da realidade das pessoas das classes C, D e E. Segue abaixo a entrevista na integra:

BJP - Como você definiria o jornalismo popular?B.S. - Definiria como um segmento do jornalismo especializado voltado para as classes populares, formadas por pessoas de baixa renda. Mas a concepção de jornalismo popular não está restrita à redução do preço do jornal impresso (para torná-lo acessível a quem tem menor poder aquisitivo) ou à simples simplificação da informação para possibilitar a sua compreensão por pessoas com baixa escolaridade. O jornalismo popular tem uma função social importantíssima, de incluir socialmente na pauta da imprensa a realidade, os interesses e as demandas de segmentos sociais tradicionalmente excluídos ou estereotipados pela grande imprensa.

BJP - Na prática algum programa televisivo, radiofônico ou jornal impresso conseguiu realmente fazer esse jornalismo?
B.S. - Não trabalho com a produção de um veículo popular, por isso não posso responder a partir de uma experiência pessoal direta. Mas acompanho os jornais populares, sobretudo do jornalismo impresso, e vejo alguns avanços, ainda que pequenos. Por exemplo: a realização de matérias sobre economia a partir de um enfoque mais próximo da realidade das pessoas que vivem com poucos recursos. Tratar a informação para simplificar e tornar inteligível uma pauta sobre reforma tributária, por exemplo, é uma contribuição importante para democratizar a informação e incluir o universo dos que são parte da elite econômica. Porque o fato de o leitor que ganha um salário mínimo não investir na Bolsa nem comprar dólar não o torna uma subespécie e, além disso, esse leitor também paga impostos, vota, produz, movimenta a economia, faz parte da sociedade. Mas ele não é tratado nas suas singularidades pelos jornais produzidos pela grande imprensa.

BJP - Por que constantemente vemos nesses jornais populares (independente do veículo) o apelo para pautas policiais? Na Bahia todos os programas televisivos “populares” basicamente são compostos por pautas policiais e dramas particulares?
B.S. - A opção pelo popularesco é, historicamente, uma marca dos programas ditos “populares”. A tradição de explorar o chamado ‘mundo cão’, da violência nua e crua, das aberrações do comportamento humano, começou no rádio, com programas que se limitavam, basicamente, a resumir o boletim de ocorrência – o famoso B.O – das delegacias da cidade. Algumas emissoras de rádio AM mantinham, inclusive, repórteres plantonistas nos hospitais públicos para incrementar a cobertura das tragédias humanas, dos criminosos que chegavam feridos ao Hospital Getúlio Vargas, que ficava no bairro do Canela e equivaleria ao que é hoje o HGE. Há estudiosos tanto do jornalismo policial quanto do campo da psicologia que afirmam que o ser humano tem uma atração especial pelo que é mórbido, pela violência, por várias razões, entre elas a pulsão de morte, da qual Freud trata em sua obra. E esses programas apostaram/apostam nesse interesse pela violência como fórmula de atrair audiência. Infelizmente, esses programas têm conseguido audiência, fato que é usado como argumento dos seus produtores para defender o “sucesso” da fórmula.

BJP - Pra ser popular tem que ter uma pitada de sensacionalismo?
B.S. - Essa é uma pergunta cuja resposta transcende o simples “sim ou não”. Até porque tratar a notícia de forma sensacionalista é, conceitualmente, tratá-la de modo a provocar sensações no leitor/telespectador. O jornalismo de revista usa o sensacionalismo como recurso e isso não é, necessariamente, negativo. Por quê? Porque a revista faz isso de forma ética. Ela usa o sensacionalismo, basicamente, para dar a sensação de que os assuntos tratados são importantíssimos ou interessantíssimos para o leitor, destacando as informações mais impactantes ou ‘sensacionais’ para atrair o leitor. Mas são informações corretas, tratadas com respeito à dignidade humana, às leis, e de valor jornalístico e social inquestionável. Não é o que faz a maioria dos programas populares que muitas vezes desrespeitam princípios éticos e direitos constitucionais das pessoas, como o direito à privacidade. Mais do que isso, expõem a imagem de pessoas que ainda não foram julgadas pela justiça e as tratam como criminosos, ou ainda mostram violência pela violência, sem que haja nessa exposição nenhum valor jornalístico, nenhuma importância do ponto de vista da informação. Trata-se, simplesmente, de provocar indignação ou catarse nas pessoas que assistem ao programa, em nome da audiência.

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